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"Vida longa aos dias de sol!"

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

SUJEITO GENÉRICO


Parece fácil definir o modelo de sucesso para uma carreira no mundo corporativo, são infinitos livros de autoajuda e revistas de negócios indicando o caminho. Basta seguir o padrão: inovador, ágil, flexível, com facilidade para o trabalho em equipe, dedicado e com o único defeito de ser um pouco perfeccionista. Programas de recrutamento e entrevistas parecem um desfile de iguais, mesmas respostas, mesmo discurso, exaustivamente treinado e ensaiado.

Como poderia ser diferente? O ser humano tem a habilidade única de se adaptar a diferentes tipos de comportamento e ambiente, nada mais natural em um cenário competitivo seguir o modelo dito vencedor. Para que buscar ou arriscar alternativas quando o padrão já está ali definido e com instruções passo-a-passo? Os mais talentosos conseguem inclusive incorporar essas características como naturais, mesmo que às vezes estejam bem distantes de suas originais, assumindo um novo personagem - "mas só para o trabalho e carreira" - imaginam eles.

O aprendizado abre oportunidades e viabiliza o desenvolvimento de novas habilidades, portanto vale investir e buscar o modelo campeão. O mercado também está aí para ajudar e transforma-se em uma máquina capaz de produzir profissionais cada vez mais eficientes, produtivos e parecidos. Eles são mais fáceis e econômicos para administrar, especificidades ou características individuais consomem energia, investimentos à singularidade e não viabilizam os tão necessários benefícios da economia de escala.

Homens ou mulheres, não faz diferença, brilho no olho, cabelo alinhado, inglês fluente, MBA, calça caqui ou azul marinho, camisa social esporte, cinto e está completo o padrão andrógino do casual corporativo. Um caminhar atento no horário de almoço pelas principais avenidas empresariais da cidade e estarão todos lá, variações sobre um mesmo tema.

Ótimo então, todos ganham. As pessoas tornam-se mais preparadas, desenvolvem novas habilidades e comportamentos, e as empresas ganham produtividade e eficiência. Segue o ciclo e o processo praticamente se industrializa, atingindo o melhor grau de eficácia na curva de tempo, esforço e resultado.

No entanto, a adaptação gentilmente forçada a um modelo externo e definido por terceiros, ocasionalmente expõe sinais de desgate e desconforto ao ator convidado. Mesmo bonito e elegante, o salto alto também cobra seu preço após algumas horas de festa. O que dizer de um processo que pode consumir anos?

Depois de tanto investimento o esforço não pode ser perdido. "Qualidade de vida!" proclamam os clássicos programas motivacionais. Eles chegam com estímulos diversos: treinamentos, viagens, esportes, voluntariado, arte. Aos protagonistas ainda cabe um investimento a mais via carreira, promoções, bônus, remuneração variável e stock options, que com certeza encerrarão a questão. O espetáculo não pode parar!

Amansado por analgésicos, reconhecimento e premiação, não há problema em continuar. Haverão sempre férias, momentos em casa, cada vez maior e mais elegante, e todo conforto que o último bônus permitiu comprar. Não há problema, afinal o herói corporativo, aquele lá do início: inovador, ágil, flexível, e com o pequeno defeito de ser um pouco perfeccionista; é só instrumento de carreira, usado sabiamente a fim de agilizar o caminho ao sucesso. Passado o crachá pela roleta de saída tudo volta ao original, sem problemas.

Estudo recentes indicam que não é bem assim. A chamada psicologia positiva americana, tem pesquisado, entre outros, o impacto de posturas corporais e atitudes ensaiadas na bioquímica cerebral e seus efeitos na alteração de estados de humor ou sensações. Em artigo(*) recente, os pesquisadores de psicologia social das universidades Columbia e Harvard nos EUA indicam, por exemplo, que uma postura corporal, de braços erguidos em sinal de vitória, é capaz de desencadear processos internos, que no fim geram um sentimento genuíno de autoconfiança. Independente de ser somente uma simulação, os estímulos cerebrais reagem de forma semelhante a um fato realmente ocorrido.

O que então dizer de estar pelo menos oito horas por dia assumindo um personagem, com postura, pensamento e atitude ensaiados segundo um modelo predefinido. Ainda mais sendo prestigiado e premiado conforme sua maior aderência a este. Após algum tempo, parece pouco provável que esse personagem realmente fique restrito à sua aplicação profissional.

O personagem pré fabricado pouco a pouco assume a preponderância e o controle, de coadjuvante passa a protagonista e como tal assume seu papel dominante. Ator e personagem tornam-se um e o que em um primeiro momento era restrito ao ambiente profissional, ultrapassa fronteiras e ocupa novos terrenos.

O inverso também ocorre, buscando proteção contra o risco de invasão da persona corporativa à vida pessoal ou simplesmente cansado de suportar uma fantasia que não lhe cabe, o sujeito assume uma cópia às avessas, não fiel à si mesmo, mas simplesmente um negativo do modelo imposto, quase uma antítese ao vencedor adotado na vida profissional.

Positivo ou negativo, não há diferença, estão repetindo um modelo externo e padronizado conflitante à singularidade humana, onde o sujeito deixa de ser protagonista de sua própria história e é submetido, sem alternativa de escape, a um modelo ideal definido conforme o interesse de terceiros.

Em qualquer situação, com o tempo a estrutura não se sustenta, cedo ou tarde a pessoa esquecida por baixo das várias camadas sobrepostas manifesta-se pelo sofrimento psíquico ou físico, tanto faz.

(Marcos Paim C. Fonteles, psicanalista)
marcospaimcfonteles@gmail.com



(*) Power Posing: Brief Nonverbal Displays Affect Neuroendocrine Levels and Risk Tolerance
Dana R. Carney*, Amy J.C. Cuddy**, and Andy J. Yap*
*Columbia University and **Harvard University
http://www.people.hbs.edu/acuddy/in%20press,%20carney,%20cuddy,%20&%20yap,%20psych%20science.pdf

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