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"Vida longa aos dias de sol!"

quinta-feira, 20 de março de 2014

TAL QUAL TELA DE CINEMA


Não conhecemos nem a nós mesmos, surpreendemo-nos ao longo da vida, com descobertas que em algum momento foram simplesmente esquecidas. Então, o que dizer deste ignorante de si, quando apaixonado por outro semelhante na sua falta? Apaixonamo-nos por quem? Nossos próprios reflexos, tal qual Narciso? Pelas projeções de nossos desejos, limitações, medos?

Tal como uma tela, o outro apresenta um filme projetado por nós mesmos. Sem perceber, aquilo que nos escapa à percepção consciente, pede espaço e se apresenta. Filme agradável, escolhido a dedo, selecionado entre as distrações da realidade, existe para dar espaço ao que já não cabe adormecido e pede lugar para se manifestar.

O objeto da paixão, como tela de cinema, segue e realiza o projeto do outro. Alimentado pelo olhar apaixonado, que vê o que ele mesmo projeta, se confunde com um filme que não é seu, se ilude como se fosse tela morta. Sujeito incerto que também não se conhece, agora pensa que ganha forma, simplicidade e finalmente: tradução. Como fita de cinema, agora tudo pode, é grandioso e sem limites. Fácil abdicar, por um momento, da difícil realidade de não se compreender.

Chega o tempo em que o outro aparece. No início a projeção da paixão é forte, quase matéria densa. A tela parece branca, ofuscada pela força da luz projetada,  sua cor e textura únicas e também capazes de projetar seu próprio filme, por um momento parecem não existir. Saturada pela projeção da paixão, parece superfície plana, passiva, objeto unicamente refletor do filme de outrem.

A vida vem e a realidade desvia a atenção. Projetor de cinema é máquina estática, pregada no chão, não desvia da tela e cumpre seu papel até o fim do filme. Nosso apaixonado não. Ao sujeito que agora se imagina completo, mais forte e desperto que se torna, parece pouco fixar-se a uma só tela. O foco estático e a intensidade do investimento necessários à projeção, parecem muito caros e por demais limitantes de oportunidades, que agora parecem infinitas ao super sujeito.

O outro, sem a luz forte, intensa e determinada, se mostra verdadeiro. Não é tela branca, sem riscos ou marcas, por isso reflete algo diferente do que recebe. Imprime sua marca no que vem do outro. Também não é só objeto refletor, tem brilho próprio. Não pode mais ser espelho fiel do que lhe é projetado, distorce o que recebe com suas marcas e interpretação, adiciona seu próprio conteúdo de sujeito também ativo.

O filme agora parece modificado, o olhar do sujeito apaixonado já não vê somente suas projeções. Agora, o outro tem seu próprio brilho e transforma o que recebe, gerando um novo filme, de cores diferentes e realidades contorcidas.

Cabe ao apaixonado, inicialmente sorridente e receptivo ao próprio espelho, mudar de posição.  Tal qual o amante da arte, aquela que transforma a realidade, em objetos cubistas, manchas multicolores ou desenhos abstratos, ele deve libertar-se do que não consegue ver e transcender no que consegue sentir.

O vivenciar do filme distorcido, colore a realidade e abre aoportunidade de se ver além, tal qual uma realidade alucinada e expandida. Neste mundo, o sentir é soberano sobre o pensar, o prazer ou a dor definirá o desejo de permanência ou extinção. Somente aí, se poderá descobrir se o que era paixão, foi capaz de se transformar em amor.

(Marcos Paim C. Fonteles, psicanalista)