Crescidos
já é hora de trabalhar, hora de namorar, hora de casar, hora de ter filhos,
netos, hora de não ter hora. Faça isso para obter aquilo. O passo seguinte puxa
o passo atual, que por si só parece não existir. Tornamo-nos hábeis em
estabelecer projetos de futuros cada vez mais sofisticados, belos e sedutores. Fica fácil se apaixonar por projeções
idealizadas e distantes da complexidade da vida cotidiana. Elas passam a justificar nossas ações e decisões diárias.
A
vida transforma-se em uma escada que simplesmente nos leva ao próximo projeto
de futuro, que uma vez atingido, nos encaminha imediatamente ao seguinte. Cada
pequeno instante torna-se apenas degrau, sem significação ou função própria,
somente ligadura entre passos anterior e posterior. Não existe desconectado. Degrau retirado de escada é verbo sem sujeito.
Invertidos,
o presente que é, parece imaginado, e o futuro, ainda simples possibilidade, transveste-se de realidade e impõe-se ao
presente. O que não existe toma do lugar do que é.
Caminhar
sobre um presente vazio é trabalhoso, requer cuidados, cada passo é caro e inseguro,
muito cansativo para quem tem toda uma vida pela frente. Melhor então ignorar, olhar
para frente e sustentar-se no futuro. Ao aprendiz de equilibrista ensina-se: não
olhe para baixo ou para fita, fixe-se no ponto à frente e simplesmente caminhe.
O
equilíbrio instável estabelece-se e disfarça o que preferimos não perceber, dá
conforto e permite descansar. Melhor agora, sem deter-se na realidade do dia a
dia, se entorpecer na certeza de um futuro cuidadosamente delirado. Dias,
semanas, anos se passam, tão rápido que percebemos somente quando já se foram e
tornaram-se passado distante. Não há como enxergar o que não se pode ver. O olhar para o seguinte é cego ao atual.
No
entanto, o futuro que sustenta não existe, é fantasia. É como pensamento que transcrito
em palavras, perde sentido e se mostra outro. O planejado finalmente se
apresenta, parece um pouco diferente, mas ajustes devem ser aceitos e até
comemorados. Surpresas que colorem a vida, justificam alguns. Melhor ser rápido,
se ajustar, eleger o próximo passo e se jogar ao próximo cipó. Tal qual Tarzan, é necessário manter-se em movimento, caso contrário tomba-se no vazio.
A
vida segue até que o real, se impõe e surpreende com novas situações, muito
diferentes do que antes fora planejado. O inesperado pode apresentar-se
disfarçado por um rompimento, morte, acidente, divórcio, demissão, tanto faz. Aquele
projeto de futuro cuidadosamente construído simplesmente desaparece, mas de
fato ele nunca existiu. Não há equação possível a ser imposta ao caos que é resultado de infinitas variáveis combinadas
no tempo e espaço, que quando sequenciadas formam o que nomeamos de vida.
O
cipó se solta. O futuro deixa de sustentar o presente e cai-se no vazio. Presente dependente de futuro é só passagem, não é ponto de parada. Sustentar-se parece
impossível ou por demais doloroso, melhor tentar religar. Como desistir do que
custou tão caro? Quantos presentes de ontem, hoje passados, foram pagamento
antecipado em nome de um futuro que agora não existe mais. Agimos como criança
pequena, que desesperada tenta salvar seu castelo de areia invadido pelo mar.
Diante da perda não cabe atalho, somente luto. Se não, pouco a pouco e sem perceber, voltaremos a construir um novo e ainda mais belo castelo, logo ali onde a areia molhada é abundante, na beira do mar.
Diante da perda não cabe atalho, somente luto. Se não, pouco a pouco e sem perceber, voltaremos a construir um novo e ainda mais belo castelo, logo ali onde a areia molhada é abundante, na beira do mar.
(Marcos Paim C. Fonteles, psicanalista)