Quem sou eu?

Seja bem-vindo!

Neste espaço você poderá conhecer algumas das minhas reflexões, que espero, possam de alguma forma estimular seu pensamento e divertir.

"Vida longa aos dias de sol!"

sábado, 12 de dezembro de 2015

NÃO OLHE PRA FRENTE


Talvez venha da infância. Pequenos à procura de aprendizado, preenchendo lacunas da ignorância, fomos instruídos a completar faltas. Aprender a andar, falar, ler, escrever. Passo a passo completamos cada etapa, que já no instante seguinte nos coloca em movimento à próxima. Uma gangorra que por um breve instante nos mantém na altura máxima, mas que logo a seguir nos empurra novamente ao movimento.

Crescidos já é hora de trabalhar, hora de namorar, hora de casar, hora de ter filhos, netos, hora de não ter hora. Faça isso para obter aquilo. O passo seguinte puxa o passo atual, que por si só parece não existir. Tornamo-nos hábeis em estabelecer projetos de futuros cada vez mais sofisticados, belos e sedutores.  Fica fácil se apaixonar por projeções idealizadas e distantes da complexidade da vida cotidiana. Elas passam a justificar nossas ações e decisões diárias.

A vida transforma-se em uma escada que simplesmente nos leva ao próximo projeto de futuro, que uma vez atingido, nos encaminha imediatamente ao seguinte. Cada pequeno instante torna-se apenas degrau, sem significação ou função própria, somente ligadura entre passos anterior e posterior. Não existe desconectado. Degrau retirado de escada é verbo sem sujeito.

Invertidos, o presente que é, parece imaginado, e o futuro, ainda simples possibilidade, transveste-se de realidade e impõe-se ao presente. O que não existe toma do lugar do que é.

Caminhar sobre um presente vazio é trabalhoso, requer cuidados, cada passo é caro e inseguro, muito cansativo para quem tem toda uma vida pela frente. Melhor então ignorar, olhar para frente e sustentar-se no futuro. Ao aprendiz de equilibrista ensina-se: não olhe para baixo ou para fita, fixe-se no ponto à frente e simplesmente caminhe.

O equilíbrio instável estabelece-se e disfarça o que preferimos não perceber, dá conforto e permite descansar. Melhor agora, sem deter-se na realidade do dia a dia, se entorpecer na certeza de um futuro cuidadosamente delirado. Dias, semanas, anos se passam, tão rápido que percebemos somente quando já se foram e tornaram-se passado distante. Não há como enxergar o que não se pode ver. O olhar para o seguinte é cego ao atual.

No entanto, o futuro que sustenta não existe, é fantasia. É como pensamento que transcrito em palavras, perde sentido e se mostra outro. O planejado finalmente se apresenta, parece um pouco diferente, mas ajustes devem ser aceitos e até comemorados. Surpresas que colorem a vida, justificam alguns. Melhor ser rápido, se ajustar, eleger o próximo passo e se jogar ao próximo cipó. Tal qual Tarzan, é necessário manter-se em movimento, caso contrário tomba-se no vazio.

A vida segue até que o real, se impõe e surpreende com novas situações, muito diferentes do que antes fora planejado. O inesperado pode apresentar-se disfarçado por um rompimento, morte, acidente, divórcio, demissão, tanto faz. Aquele projeto de futuro cuidadosamente construído simplesmente desaparece, mas de fato ele nunca existiu. Não há equação possível a ser imposta ao caos que é resultado de infinitas variáveis combinadas no tempo e espaço, que quando sequenciadas formam o que nomeamos de vida.

O cipó se solta. O futuro deixa de sustentar o presente e cai-se no vazio. Presente dependente de futuro é só passagem, não é ponto de parada. Sustentar-se parece impossível ou por demais doloroso, melhor tentar religar. Como desistir do que custou tão caro? Quantos presentes de ontem, hoje passados, foram pagamento antecipado em nome de um futuro que agora não existe mais. Agimos como criança pequena, que desesperada tenta salvar seu castelo de areia invadido pelo mar.

Diante da perda não cabe atalho, somente luto. Se não, pouco a pouco e sem perceber, voltaremos a construir um novo e ainda mais belo castelo, logo ali onde a areia molhada é abundante, na beira do mar.

(Marcos Paim C. Fonteles, psicanalista)