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Neste espaço você poderá conhecer algumas das minhas reflexões, que espero, possam de alguma forma estimular seu pensamento e divertir.

"Vida longa aos dias de sol!"

domingo, 29 de novembro de 2015

SOBRE UM MAR DE CERTEZAS


Quando todas respostas estão ao alcance de um clique. Parece sem sentido ou mesmo antiquado sustentarmos perguntas sem respostas. Talvez somente nos tempos de Shakespeare houvesse tempo disponível a ser investido na sua clássica “Ser ou não ser?”.

Hoje são mais de 100 bilhões de buscas atendidas pelo Google mensalmente. Difícil imaginar quem respondia a toda essa avalanche de questionamentos nos longínquos tempos de antes do Google, ou AG. Limites de tempo e recursos, permitem-nos recordar que boa parte delas ficava sem resposta, ou ao menos, sem uma resposta firme.

Neste caso, só restava conviver com a incerteza, dúvida ou perguntas não respondidas, já que a pesquisa mais aprofundada demandava tempo e esforço. Pesquisar pressupõe a avaliação de diferentes pontos de vista, contradições e alternativas, não há pesquisa sem reflexão e trabalho. 

No buscador queremos respostas rápidas e objetivas: preto ou branco. Não temos mais paciência para questões demoradas, a primeira página já é o bastante. Quem se lembra da última vez que passou à segunda? As outras quase infinitas alternativas, tornam-se somente atestado de eficiência do algoritmo ou objeto decorativo de rodapé. O Google bem conhece nossos hábitos e sabe cobrar por isso, basta verificar sua tabela de preços para estar logo ali, na primeira página.

Parece que finalmente os limites de tempo e esforço foram superados e a resposta correta está disponível a todo tempo, a qualquer um, sem custo ou esforço de aquisição.

Sempre foi norma aos líderes e bem sucedidos demonstrarem firmeza e certeza. Ascenção e sucesso aos que rapidamente tomam suas decisões. Em tempos de acesso ilimitado à informação, dúvidas perdem de vez o sentido e somente se justificam aos fracos, indecisos ou burocratas analíticos. Vacilar, refletir transformam-se em sinais de debilidade injustificada. É imperativo se posicionar com opiniões claras e definidas. PT ou PSDB? Feminista ou machista? Comunista ou neoliberal? Carro ou bicicleta? Mariana ou Paris? 

Parece estranho, mas a principal habilidade que nos diferencia perante nossos vizinhos coabitantes deste planeta, é justamente o que neste momento aparentemente torna-se supérfluo, nossa capacidade de pensar, tomar consciência, refletir.

Atalhos que economizam esforço são por demais atraentes para serem deixados de lado e estão sempre presentes. Eles vencem limites aparentemente intransponíveis em um passado recente, quase como milagres da infinita capacidade humana. Não muito longe, a nascente cocaína também foi considerada uma droga milagrosa, capaz de criar super-humanos, rápidos, assertivos e com uma energia aparentemente inesgotável. Figuras notórias, entre elas o próprio Freud, recomendaram seu uso e prescrição. A história demonstrou logo depois, que o remédio milagroso também cobrava seu alto preço. Não foi diferente com outras drogas, pirâmides financeiras, jogos de azar, milagres econômicos, religiões salvadoras ou sistemas políticos grandiosos. Todos exemplos de atalhos que no seu devido tempo cobraram seu preço.

A facilidade acomoda e gera dependência, não é diferente no caso da ferramenta que hoje é nosso principal instrumento de inteligência auxiliar. A musculatura do pensamento também é dependente de exercício e quando pouco desafiada, sabe repousar.

Em diversos momentos da história humana, a reflexão também foi deixada de lado e o automatismo simplista se fez presente. Infelizmente também foram os períodos mais obscuros, onde o fascismo, fanatismo e outros, deixaram suas marcas. O idiota útil, seguidor não crítico de dogmas ou ritos, é capaz de cometer os piores atos ou simplesmente cumprir ordens ou normas predefinidas na lógica booleana do sim ou não. Quando a reflexão é adormecida, os resultados são sombrios. 

Na idade do conforto das réplicas imediatas, cabe buscar alternativas que nos coloquem novamente de frente ao inexplicável, ao sem sentido ou ao só sentido. Inominável mesmo ao oráculo das bilhões de respostas, a filosofia e as artes nos permitem novamente ser ignorantes e como tal também autores. A pergunta sem resposta atrai o pensamento, que sem destino definido pode caminhar por sua singularidade e nos fazer criadores, portanto humanos.

(Marcos Paim C. Fonteles, psicanalista)

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

MERITOCRACIA, CONSUMO E A FALTA


O modelo de mercado competitivo e globalizado, pressionou empresas à busca de competitividade e diferenciais a fim de manter sua posição, vis-à-vis novos competidores vindos de além mar. Neste cenário, perseguindo a alta performance que asseguraria sua sobrevivência, boa parte das companhias adotaram modelos de gestão baseados na meritocracia, estimulando a competição entre seus colaboradores e premiando resultados diferenciados.

Rapidamente o modelo transformou-se em uma verdade corporativa, proclamada e ratificada por analistas e gurus da administração. Empresas não aderentes foram taxadas de arcaicas ou pouco competitivas, sendo pressionadas à mudança ou perdendo valor.

A vitória desta técnica baseada na lógica de mercado, perante outros sistemas e utopias, institucionalizou o conceito onde segundo bases “iguais”, os resultados obtidos definem e justificam os vencedores. A responsabilidade da vitória não deve ser distribuída, mas ranqueada e com a distinção clara entre vencedores e perdedores. Os eleitos tem sua diferenciação autorizada, já que a mesma é considerada fruto do seu talento e esforço superiores aos demais.

Neste cenário, o mercado de consumo também transforma-se e o produto
deixa de ser mera ferramenta utilitária e transveste-se como troféu de premiação a vencedores, consolo ou instrumento de disfarce para derrotados. Certificados pelos resultados premiados na meritocracia e julgados pelo seu talento e esforço “comprovados”, os vencedores estão liberados a exibir seus troféus.

O produto se veste de ferramentas de design e conceito, onde sua simbologia ultrapassa em larga escala sua funcionalidade mecânica. Consumidores são chamados de fãs, obtendo pertencimento e lugar, chegando aos limites da idolatria à marca.

Mesmo institucionalizado, o modelo expõe suas vulnerabilidades. O produto como combustível narcísico ou analgésico à falta é precário, portanto não se sustenta e faz-se necessária a repetição. Este ciclo de consumo repetitivo atende às métricas de crescimento corporativo, fundamentais à sobrevivência do modelo meritocrático, estendendo sua validade ao limite.

À repetição, o produto se renova, a obsolescência programada pare novas versões que tiram o valor simbólico da versão anterior e forçam sua substituição. Mesmo sem sustentação possível, o ciclo se repete à exaustão.

Este circuito de disfarces aparentemente sem fim, é realimentado continuamente pela lógica mercantilista, que movimenta objetos e sujeitos conforme suas leis de oferta e demanda. No entanto, tanto vitoriosos quanto perdedores, tal qual faces de uma mesma moeda, não passam impunes e pagam o preço por figurar neste jogo sem perceber.

Sem perceber?

(Marcos Paim C. Fonteles, psicanalista)